A HORA E A VEZ DE AUGUSTO MATRAGA (1965)
ERA DO CINEMA NOVO - 13/06/68
No próprio caso da glorificação da personagem a que se entregaria o conto, adiantaríamos que o filme anda por lá perto, se é que não vai mais além. Matraga persegue um ideal nobre que o transfigura e aproxima dos grandes heróis trágicos. Todo o filme, aliás, parece ter sido construído, segundo a concepção aristotélica da tragédia, tal como sintetiza Paulo Mendonça; em primeiro lugar, temos o conflito humano projetado no plano da arte; depois, em etapas claramente demarcadas, a clássica
“Ação-modelo-errada”, vivida por “pessoa excepcional”, mas sem noção de medida, em função do que essa pessoa se perde, passando de um “estado bom para um mau”.
Matraga, abandonado pela mulher e filha, sofre a humilhação de um espancamento que o desviriliza. Procura, então imitar a mansidão de Cristo. Após longa hibernação mística, redescobre a sua vitalidade adormecida ao domar um cavalico selvagem (aliás, uma seqüência de antologia, um “morceau de bravoure”, como a morte da cachorra Baleia em “Vidas Secas”, de Nelson Pereira dos Santos, ou o gratuito assassínio de um camponês pelos soldados em “Os Fuzis”, de Ruy Guerra). Voluntariamente marginalizado, Matraga resiste ao apelo gregário no convívio episódico com o bando de Joãozinho Bem-Bem. Finalmente a sua hora e vez chegam no adro de uma igreja, quando enfrenta, em combate desigual, o mesmo bando, em defesa de valores de que não tinha clara noção.
Poética do desespero, certa sublimação da violência, o figurativo sobrepondo-se ao contexto crítico implícito, mas não explícito – eis alguns aspectos pelos quais o filme deve ser saudado com um extraordinário acontecimento artístico na linha das mais representativas obras do moderno cinema brasileiro.