A HORA E A VEZ DE AUGUSTO MATRAGA (1965)
TRANSCENDÊNCIA DA REVOLTA
por Francisco Luiz de Almeida Salles

A força da ambientação torna este filme um dos mais verdadeiros registros do mundo brasileiro do sertão, com suas vilazinhas tristes, as raras casas agrupadas em torno da igreja, os vastos descampados esmagados sob o céu, tornando mais amplo pelo canto das aves migradoras.

E esse quadro tratado com um senso admirável de composição dramática, é o grande suporte para uma história de validade também universal, pois centrada na força moral do homem. O sertão aqui funciona como o cenário para uma tragédia, alteando-se ao nível das velhas terras do mundo que viram nascer a dramática fabulação do homem.

Matraga é a luta do homem vencendo a opressão, a humilhação e a morte, com apoio do brio pessoal, no sentimento da honra e da dignidade. E a grandeza do personagem se salienta pelo fato de ser um simples, um tosco, um pobre trabalhador rural de uma das regiões mais primitivas do Brasil. É um condenado à morte que renasce porque não poderia morrer humilhado. Na raiva, que lhe arranca gritos lancinantes de protesto, esta toda a energia do homem lutando contra a indignidade de um sacrifício melancólico, que sua forte natureza não pode suportar.

Robert Bresson teria amado fazer filme. Roberto Santos é um Bresson sertanejo, debruçado sobre o sentimento de honra do seu personagem, fascinado pelo seu poder de revolta e sua dura luta pela sobrevivência. Embora, como a camponesa Joana, relapso como ela, mas herói como ela venha a morrer de uma segunda morte, esta morte era sua, não a outra que lhe fora imposta.

O processo de ascensão do herói é lento, pois é um novo homem que surge, com seus ímpetos domados, para não perder a hora e vez da sua ressurreição. Matraga faz da fé a alavanca para seu renascimento. Mas uma fé ativa, que lhe abranda o temperamento, que o humaniza interiormente, mas, ao mesmo tempo, o ilumina para o exercício da coragem e da violência, que são o seu único e possível destino. A sedução que sobre ele exerce o bando do Joãozinho Bem-Bem, a alegria com que recebe os jagunços, depois da sua conversão, mostra como a sua religiosidade se conciliava com a vontade de poder, essencial para afirmação da sua natureza.

O filme nasceu da vocação incontida de um jovem criador para se expressar pelo cinema. Do casamento na Mooca, que era o tema do seu primeiro e único filme de longa metragem “O Grande Momento”, de 1958, já lá se vão cerca de oito anos. Nelson Pereira dos Santos que é, indiscutivelmente, a raiz desse surto de consciência no cinema novo do Brasil, ficou vinculado a primeira experiência do jovem diretor. Mas é impressionante como Roberto Santos soube aprofundar-se – sem fazer filmes, a não ser experiências de curta metragem – e surge adulto na linguagem, seguro no estilo, moderno como assimilação dos passos dados pelo cinema nesse período, e principalmente, pessoal, impondo sua autoria, ao ponto de podermos saber hoje como Roberto Santos reagirá em face de outros filmes que vier a fazer.