A HORA E A VEZ DE AUGUSTO MATRAGA (1965)
O FILME DE HOJE NO FESTIVAL DOS MELHORES
por José Haroldo Pereira

A tarefa que se propôs Roberto Santos era tanto mais difícil quanto se conhece a peculiaridade da literatura de Guimarães Rosa. À primeira vista, nada seria mais inviável do que pretender extrair imagens e espetáculo do linguajar regionalista, fortemente estabilizado, do autor de Grande Sertão: Veredas. Está na tela, entretanto, plenamente apreendida e transmitida, a lenda sertaneja contada em traços rápidos e precisos pelo escritor, o rude retrato de violência, de misticismo e de redenção típica de certas regiões brasileiras. Conserva Roberto Santos do original, com notável habilidade, o sabor de lucidez e pitoresco que cerca a pequena descrição de tipos eternamente preocupados com o próprio destino e aos quais, por isso mesmo, o destino de compraz em preparar toda sorte de ironias. “Todo homem tem sua hora e sua vez” como sofre um machudo e malvado Coronel para experimentar esta verdade da filosofia sertaneja é o que narra soberbamente o filme, secundando o livro.

O cinema brasileiro em construção é possível distinguir duas correntes básicas: um cinema de consumo e um cinema de raízes. A divisão não é necessariamente valorativa. Há filmes, mesmo bons, que se satisfazem com o medíocre objetivo de agradar. Outros, mesmo frustrados, buscam ao contrário definir, caracterizar e edificar o que seria uma cultura essencialmente brasileira: buscam criar raízes.

Roberto Santos constitui, neste momento, o grande elo de ligação entre as duas correntes. Consciencioso, inteligente, sério, ele participa deste amplo movimento em favor de um cinema que seja expressão e fator de cultura, mas sem sacrifício das contingências do espetáculo. A Hora e a Vez de Augusto Matraga, uma espécie de Deus e o Diabo em versão popular, é o primeiro êxito do diretor paulista em sua meta fundamental: fazer ótimo cinema para grandes platéias. Um filme depois, com o terceiro episódio de As Cariocas, ele já realizaria qualquer coisa de definitivo no caminho que terá escolhido em oito anos de filmes publicitários, de contato com a comunicação de massa: uma pequena obra-prima de cinema popular.