ESCRITOS
Como redescobrir esta cidade
por Lourenço Diaféria

Roberto Santos fez agora simplesmente isto: enclausurou em sua câmera mágica todas as cores e todas as vibrações da mulher desejada, para exibi-la na sacada maravilhosa de sua arte sem tamanho, como propriedade perene e definitiva. O estouvado e pretensioso homem de quarenta, que julgava haver conquistado o direito de usucapião nesse afeto curtido vê chegar Roberto Santos e liquidar com as paixões menores e os namoricos de esquina. Foi logo pedindo a doce mulher em casamento. Deposou-a, deu-lhe nome, casa comida, teto, boa cama, enfim, aquele conforte... E é com não pequena emoção que vejo passear de barco dado, agarradinho, com aquele monumento de formosura. Pois a mulher é de fato formosa, sedutora, magnífica.

Estou falando, claro da última conquista de Roberto Santos: O programa “O Poeta e a Cidade”, que assisti segunda à noite, pela TV Cultura. Essa cidade é a mulher em que sou vidrado. Mas Roberto Santos é muito mais. Isso me emociona. A Torre de Santa Cecília, a praça e seus habitantes, o cinema de arrabalde, este céu e estas figuras vivas e mortas com que cruzamos sem prestar atenção – tudo isso está lá, palpitante, desdobrando-se em segredos entreabertos, como se de repente a cidade se oferece em toda sua impressentida força e ternura.

Este gesto de carinho de Roberto Santos só se explica como um ato de poesia e fidelidade e uma declaração de amor. O que só pode dar em casamento perfeito, naturalmente.